A cidadania italiana, os impactos da nova lei e os referendos
- Lucas Izoton

- 5 de ago.
- 3 min de leitura
O Brasil abriga a maior comunidade de descendentes de italianos fora da Itália. Estima-se que cerca de 32 milhões de brasileiros tenham origem italiana — e muitos já conseguiram reconhecer formalmente sua dupla cidadania, como é o meu caso. Meu avô, Giovanni Isotton, nasceu na província de Belluno, região do Vêneto, no norte da Itália, e imigrou para o Brasil em 1881, como tantos outros que ajudaram a construir nosso país. Por equívocos cartorários, meu sobrenome Isotton acabou se tornando Izoton.
Atualmente, a Itália possui cerca de 60 milhões de habitantes, sendo mais de 5 milhões imigrantes, vindos principalmente da Europa Oriental, Ásia e África. Mesmo com o crescimento da população imigrante, o país enfrenta um preocupante declínio demográfico, com taxa de fertilidade em torno de 1,2 filhos por mulher — muito abaixo da taxa de reposição populacional, que é de 2,1 filhos por mulher.
Apesar dos 32 milhões de descendentes italianos no Brasil, apenas 750 mil (2,3%) possuem dupla cidadania, e cerca de 430 mil (1,3%) já estão habilitados a votar nas eleições deste mês de junho de 2025.
O Espírito Santo é considerado o estado “mais italiano” do Brasil. Quase 65% da população capixaba tem origem naquele país — ou seja, cerca de 2,6 milhões de pessoas são descendentes de imigrantes italianos. A imigração em massa começou no estado em 1874.
Com a dupla cidadania, os ítalo-brasileiros passaram a exercer direitos políticos na Itália, como votar em eleições parlamentares e participar de referendos populares. Esse vínculo político-cultural se torna ainda mais relevante diante das recentes mudanças aprovadas pelo Parlamento Italiano.
Em maio de 2025, o Congresso Italiano aprovou uma nova lei que restringe o reconhecimento da cidadania iure sanguinis (por descendência). A legislação passou a exigir prazos, comprovação de domínio da língua italiana e limitação no número de gerações reconhecíveis. A medida gerou grande repercussão, principalmente no Brasil, onde milhares de descendentes aguardavam o reconhecimento.
A nova regra determina que a cidadania será reconhecida apenas para duas gerações de descendentes diretos — ou seja, filhos e netos de italianos nascidos na Itália. Até então, não havia limite de gerações, desde que se comprovasse a linhagem.
No Espírito Santo, o impacto será significativo. Muitas famílias, que aguardavam na fila há anos, serão excluídas dos critérios da nova legislação, interrompendo um processo de resgate cultural e político construído ao longo de gerações.
Um aspecto admirável do sistema político italiano é o uso recorrente do referendo popular, ferramenta de consulta direta à população. Mesmo que o Congresso aprove leis restritivas, os cidadãos italianos — inclusive os que vivem no exterior — podem ser chamados a votar em referendos abrogativos (revogatórios), desde que se atinja o número mínimo de assinaturas exigidas.
Agora, em junho de 2025, os italianos votarão em cinco referendos, abordando temas como a revogação de leis trabalhistas que geram altos custos para pequenas empresas e a flexibilização de contratos temporários. Outro referendo, mais polêmico, trata da exigência de que estrangeiros não pertencentes à União Europeia residam de 5 a 10 anos na Itália para solicitar cidadania — o que impacta diretamente brasileiros que moram no país.
Lembro que, no referendo de 2022, votei em propostas como a suspensão automática de políticos condenados por crimes no exercício do cargo, a possibilidade de procuradores se tornarem juízes (e vice-versa), além dos critérios para decretação de prisão preventiva. Já em 2016, um dos temas era a permissão para perfuração de petróleo e gás em alto-mar.
Como funciona a votação nos referendos? Cidadãos italianos residentes no exterior — incluindo os ítalo-brasileiros habilitados — votam pelo correio. Todos recebem o material eleitoral em casa. O referendo é uma votação direta, onde o cidadão decide se uma lei deve ou não continuar existindo. O voto “SIM” significa que o cidadão deseja revogar a lei; o voto “NÃO” indica que prefere mantê-la.
As cédulas são individuais, com cores diferentes, escritas em italiano, e devem ser inseridas em envelopes próprios, garantindo o sigilo do voto durante a apuração.
Considero esse modelo democrático uma forma de ampliar a participação cidadã e fortalecer os laços entre os italianos, onde quer que estejam. Talvez essa metodologia de consulta direta possa inspirar o nosso próprio Congresso a refletir se a atual forma de representação política realmente expressa a vontade do povo.
Lucas Izoton
Engenheiro, empreendedor
Possui cidadania brasileira e italiana.








Comentários